Era o ano de 1986, eu com 25 anos, estava vivendo a melhor fase da vida, até então! Morava no Recife, em plena praia de Boa Viagem, de frente para o mar! Era Encarregado de Padaria e gerenciava 15 pessoas. Trabalhava há alguns quarteirões de casa. Na hora do almoço, até dava pra dar uns mergulhos na praia. Me sentia importante e feliz!
Começou
a me privar da companhia dos meus amigos e estabeleceu horários para eu ficar
dentro de casa. Chegou ao cumulo de colocar o porteiro do prédio me vigiando!
Minha vida passou a ser páginas de cadernetas. A gota d’agua aconteceu, quando
ele ficou sabendo que eu havia passado a tarde, bebendo cerveja com um amigo!
Chegou em casa, pegou uma faca e começou a me ameaçar, dizendo coisas
horríveis. Me desvencilhei, abri a porta e saí correndo escadaria abaixo. Ele
no meu encalço querendo me matar! Eu gritava desesperado para os vizinhos
abrirem as portas, até que uma senhorinha me deu guarida! Entrei me escondi até
o dia seguinte! Esperei ele sair, arrombei a porta, peguei minhas coisas, pedi
demissão do trabalho e voltei pra São Paulo! Humilhado fui pedir ajuda à minha
mãe, que me aceitou de braços abertos! Depois de tantos anos distantes um do
outro, nossa reaproximação foi difícil, nossos diálogos sempre foram truncados,
nervosos, agitados. Discutíamos principalmente porque ela nem queria argumentar
sobre minha sexualidade. Não aceitava e pronto! Era um tabu, falar sobre isso!
Consegui emprego no Banco Itaú e aceitei convite de minha “tia Madá” para
frequentar um grupo de atletas; ela sabia que que adorava jogar bola! Encontrei
um grupo de pessoas alegres, felizes, bonitas e abastados! Quer recepção
melhor? Uma vez por semana sempre havia alguma atividade! Nem imaginava que
aquelas reuniões, se transformariam em grupos de debates cada vez mais
envolventes! Era o “Atletas de Cristo”, grupo que ficou famoso nos anos 80,
pela forma descontraída e pela linguagem informal e familiar; reunia atletas de
várias modalidades, classes sociais e grupos étnicos. Conheci o Muller, o
Silas, o Alex Dias Ribeiro entre outros atletas famosos! Aceitei fazer parte do
grupo e frequentei a Igreja Batista do Morumbi, uma igreja de ricos! Agora,
imaginem, como um pobre coitado como eu, que morava na Vila Nova Cachoeirinha
(Zona Norte) poderia fazer parte daquele grupo? Só DEUS mesmo!
Essa lua de mel
durou alguns anos, nesse período experimentei ideais elevados, inseridos no meu
contexto de vida! Na busca de iluminação espiritual e objetivos nobres
cristãos, não praticava sexo com ninguém e raramente me masturbava! Quando isso
acontecia batia arrependimento! Até minha mãe deu trégua e passou a acreditar na
transformação que havia acontecido dentro de mim! Mergulhei de cabeça no
“protestantismo”, fiz teologia, descobri os segredos por trás dos púlpitos,
conheci pessoas incríveis, com boas intenções me auxiliando em tudo! Até que
comecei a namorar uma garota, da mesma idade e um conflito brotou na minha
cabeça. Naquela época estávamos nos preparando para sermos missionários entre
os “muçulmanos” e teríamos que oficiar o casamento antes de ir pra linha de
frente. Daí eu pensei: como vou casar com uma mulher sem conhece-la
sexualmente? Eu ainda sentia atração por homens, mas conseguia controlar.
Dúvida cruel! Então quando sugeri que fizéssemos sexo, ela achou um absurdo!
Não deu outra, desisti de tudo e de todos. Me senti aliviado, tirei um peso da
minha consciência!
Nesse
período fui surpreendido com o diagnóstico de Câncer de Colo do Útero em minha
mãe. Desde o começo ela soube do que se tratava e iniciou o tratamento cedo,
fez os procedimentos para impedir o avanço da doença. Fiquei ao seu lado em
todo instante! Mas como sempre tivemos dificuldades de diálogo, não falávamos
sobre a doença, ela sofria com fortes dores e muitas vezes tinha que leva-la ao
serviço de emergência. Nos apegamos à religião na tentativa de aliviar o peso
da situação! Mesmo assim minha mãe não era uma pessoa otimista e deixou se
abater. Em pouco tempo o câncer se espalhou para outros órgãos e na
impossibilidade de tratamento em casa, tive que coloca-la em um hospital para
receber suporte e medicamentos necessários, mesmo contra sua vontade. Ela ficou
com raiva de mim e não falava comigo, quando ia visita-la diariamente. Lembro
que aquela situação toda me deixava extremamente mal e só conseguia forças em
DEUS! Foram dias terríveis! Eu ficava horas vagando pelas ruas na busca de
respostas. Até o fatídico dia em que recebi a notícia do seu falecimento. Saí
desesperado até o hospital, quando lá cheguei me levaram para ver seu corpo,
uma imagem aterradora nunca saiu da minha cabeça: ela deitada com os olhos
abertos e uma expressão de medo e solidão latente em seus olhos.
Cena de uma
morte sofrida. Aquilo me destruiu! Xinguei as enfermeiras por deixa-la daquele
jeito! Um abismo se abriu sob meu chão. Me revoltei e culpei DEUS por anos. Me
joguei no mundo sem eira nem direção, vivia anestesiado, procurava não pensar.
Me drogava. Fazia sexo sem nenhuma prevenção. Estava me punindo pela culpa de
não ter sido o filho ideal; de não ter conseguido falar o que um filho deve
falar para sua mãe; por nunca ter nos abraçado e beijado ou expressado carinho;
por deixa-la morrer sozinha!
Precisei de anos de terapia e libertação para
conseguir superar tudo isso. Pela graça e misericórdia do “Nosso Paizão
Celestial” que nunca me abandonou, obtive a redenção!
Hoje não existem sequelas
e toda as cicatrizes foram curadas! Sobre isso eu falarei em uma próxima
oportunidade.
Aguardem cenas dos próximos capítulos!