Assista a entrevista com Andrew Kenn
Andrew Keen, historiador e cientista político
Polêmico, Keen começou a construir sua fama internacional ao lançar, em 2007, o best seller O culto do amador (editora Zahar), traduzido para 17 idiomas. Na obra, ele faz uma crítica feroz da chamada web 2.0, a internet de cunho colaborativo. Agora, em seu novo livro, Vertigem Digital (Zahar), Keen volta sua artilharia para a superexposição provocada pelas redes sociais. O livro discute os efeitos da mídia social na economia e na sociedade. Para Keen, Facebook e Google querem “prender” os usuários. “O Facebook quer estar no site dos outros. É uma tentativa de colonizar a web”, afirma nesta entrevista à DINHEIRO. “O Google também quer colonizar a internet ao forçar seus usuários a usar aplicativos, produtos e serviços da empresa.”
DINHEIRO – O novo livro do sr. se chama Vertigem digital. O que significa esse conceito?
ANDREW KEEN – A obra discute o impacto da mídia social na nossa identidade, mentalidade e economia. Também é a minha apreciação do longa-metragem de Alfred Hitchcock Um corpo que cai [o título original do filme é Vertigo, ou Vertigem, em tradução literal]. Nesse grande filme, de 1958, o protagonista se apaixona por uma loira que não existe. Nas redes sociais, nos enamoramos da ideia de que a internet nos une, que faz nossa vida mais fácil. Vertigem digital é também a tontura que sentimos nessa nova era social. A cada segundo, milhões de usuários atualizam seus perfis no Facebook e Twitter. Estamos na era do “tempo real”, que parece mais rápido que a vida real.
DINHEIRO – Qual foi a sua motivação para escrever a obra?
KEEN – Em 2007, lancei um livro em que criticava a web 2.0 (a rede de cunho colaborativo). Como estamos em um novo momento da história da internet, que Reid Hoffman, o fundador do LinkedIn, chama de Web 3.0, com uma profusão de dados pessoais – da qual o Facebook é o grande símbolo –, queria fazer uma crítica a essa nova etapa. Outro motivo para escrever essa obra é que pretendia discutir o que essa nova web faz de nós, seres humanos. A vida digital mudou tudo: nossas identidades, relações e, principalmente, a noção do que é público e privado.
DINHEIRO – O sr. não enxerga nenhum benefício nas redes sociais?
KEEN – Não. Nenhum. Você tem Facebook e Twitter?
DINHEIRO – Sim
KEEN – Por quê?
DINHEIRO – Para divulgar, por exemplo, as reportagens e entrevistas que faço.
KEEN – Então você é um narcisista sujo. Mas eu também sou e faço a mesma coisa. Bom, falando sério, há benefícios óbvios na mídia social, como a realização de protestos políticos em todo o mundo e até vovós que têm uma forma barata de falar com seus netos. Mas não cabe a mim falar disso. Há dez mil entusiastas para falar das maravilhas das redes sociais, mas só há um anticristo do Vale do Silício para falar sobre o que há de errado.
DINHEIRO – Suas críticas são ouvidas no Vale do Silício?
KEEN – Trata-se de um livro ambicioso, mas não sei se vai mudar a ideia deles. Recebi um retorno de empreendedores que estão trabalhando para melhorar a privacidade nas redes sociais.
DINHEIRO – Quando o sr. teve a ideia de escrever o livro?
KEEN – Foi quando vi o corpo de Jeremy Bentham [o cadáver do filósofo está em exposição desde o século XIX em uma universidade de Londres e hoje é conhecido como autoícone]. Vi aquilo e então surgiu a ideia de que estamos todos e virando cadáveres expostos.
DINHEIRO – O sr. tem uma conta no Twitter. Segue alguém?
KEEN – Ninguém. Estou muito ocupado para seguir pessoas. Uso Twitter de forma antidemocrática. Só para divulgar as minhas ideias. Não leio ninguém, salvo quando falam de mim. Uso o Twitter puramente para ganho pessoal. Não sou contra as redes sociais. Preciso estar no Twitter para construir minha marca. Dependo das redes sociais tanto quanto todo mundo. A mídia social está virando a plataforma do novo século. Mas, se quisermos proteger o ser humano, também temos de esconder coisas. Esse é o desafio.
O criador da enciclopédia virtual Wikipédia, Jimmy Wales
DINHEIRO – Há algum tema que o sr. gostaria ter incluído no livro e não deu tempo?
KEEN – Sim. Teria sido bom abordar essa explosão de aplicativos sociais desenhados para celulares, como o Highlight. É um software programado para revelar dados de estranhos que estão no mesmo lugar que você. Acredito que o Highlight ajude a mostrar que estou certo. O problema é que terminei o livro antes do estouro desse aplicativo. Queria também falar mais sobre o utilitarismo de Mark Zuckerberg. Por outro lado, uma das fraquezas do livro é que fui muito agressivo com o Facebook.
DINHEIRO – Os problemas que o sr. aponta em Vertigem digital, como violação de privacidade, explicam o porquê do receio do mercado com as ações do Facebook?
KEEN – Terminei o livro cinco meses antes do IPO e fiquei surpreso com os problemas do IPO. Isso não reflete a fraqueza das redes sociais, mas talvez as dificuldades do Facebook como empresa. Zuckerberg enfrenta adversidades muito claras, como a dificuldade de transplantar o site para o celular. Minha discussão é outra, menos técnica.
DINHEIRO – Como explicar o sucesso do Facebook?
KEEN – É como se apaixonar por alguém e dois anos depois não entender o porquê. O Facebook faz uma espécie de flerte. Há pessoas que passam o dia inteiro contando para todo o planeta o que estão fazendo, mesmo que depois isso pareça vergonhoso. O Facebook em si não é o problema. Surgirão novos sites. O Facebook hoje parece velho, mas isso é uma característica da web. É assustador e excitante, tudo se move rápido. Com exceção do Google, tudo que tem mais de dois anos parece datado. Olhe para o destino do Myspace e do Yahoo! Esse é o desafio de ser empreendedor.
DINHEIRO – Como o Facebook lutará contra a obsolescência?
KEEN – Há cerca de três anos, Zuckerberg mudou o modelo de negócios. Em vez de tentar ser o site líder de audiência, busca ser o sistema operacional dessa web social. O Facebook quer estar no site dos outros. É uma tentativa de colonizar a web. O fato de estar perto de conseguir isso e as pessoas levarem essa discussão a sério é o que fez a empresa ser tão valorizada. O Google também quer colonizar a internet ao forçar seus usuários a usar aplicativos, produtos e serviços da empresa. Todos querem saber por onde você navega na internet.
Mark Zuckerberg, criador e presidente do Facebook
DINHEIRO – É possível ter privacidade na era digital?
KEEN – Vamos ter de pagar pela privacidade, que será um bem escasso. E, quanto mais escasso, mais valorizado. Alguns empreendedores vão se aproveitar disso. A privacidade vai virar um luxo para quem pode e tem educação. Lamento que a vasta maioria não queira pagar por nada. Esse comportamento é uma consequência da informação gratuita, da Wikipédia e desses sites abertos. A informação com credibilidade de verdade está em veículos pagos.
DINHEIRO – Li sua página na Wikipédia. As informações pareciam corretas.
KEEN – O que diz lá?
DINHEIRO – Diz que o sr. vive na Califórnia, que escreveu livros, que é judeu.
KEEN – Já tive muitas discussões com o Jimmy Wales [criador da Wikipédia]. O problema do site não tem a ver com o fato de conter dados certos ou errados. Mesmo sites pagos estão cheios de erros. O problema é o descontrole editorial dessa enciclopédia. Não há contexto. Há artigos enormes sobre ídolos pop, mas importantes figuras históricas não estão lá. A Wikipédia dá uma versão ruim do mundo. A mídia paga é sempre mais confiável. Olhe para as notícias. Se você quiser saber o que está acontecendo no mundo, é preciso assinar um jornal ou revista, tem de pagar. Muitas pessoas são resistentes a isso.
DINHEIRO – O sr. gostaria que sua página na Wikipédia fosse apagada?
KEEN – Gostaria de fazer isso na frente do Jimmy Wales. Seria prazeroso. Falando sério agora, não me importo. Eu me importaria se estivesse pelado. Acessei por acaso minha página na Wikipédia. Durante um debate em Oxford, com Reid Hoffman [criador do LinkedIn], tiraram uma foto de mim comendo um bolo. Coloquei o doce de uma vez só na minha boca, de propósito, e colocaram a imagem na Wikipédia. Para mim, a foto é ótima, me ajuda a mostrar a fraqueza da enciclopédia colaborativa. Reflete a falta critério do site.
DINHEIRO – Quais as próximas grandes tendências no mundo digital?
KEEN – Estamos em uma encruzilhada. Por um lado, a vida privada será destruída. A ideia de alguns é que o mundo ficará melhor se todos se revelarem. A internet vai virar um monstro que não sabe esquecer. A privacidade será coisa do passado, como iluminação a gás e carroças. Muitos no Vale do Silício dizem isso, como o empreendedor Mike Harrington e Eric Schmidt, presidente do conselho do Google. Outro caminho é entender privacidade como algo essencial para quem somos. Talvez o governo nos ajude nisso.
DINHEIRO – Existem tecnologias capazes de apagar os dados na internet?
KEEN – Sim. Há cada vez mais companhias que são feitas com o objetivo de garantir privacidade, em oposição a redes sociais, como Google Plus ou Facebook, que vivem para vender nossos dados. Esse bom caminho vai nos levar a um mundo digital que faz justiça à complexidade humana. Acredito que o ser humano seja a melhor coisa já inventada, muito melhor que aplicativos ou qualquer rede social. Se formos pelo primeiro caminho, destruiremos a singularidade do ser humano, nosso mistério. Terminei meu livro, aliás, olhando para o quadro Mulher em azul lendo uma carta, do pintor holandês Johannes Vermeer. A tela mostra, na expressão da personagem, uma ideia de decepção, um segredo, um enigma. Não sabemos nada sobre ela. Quanto menos sabemos, mais interessante é a pintura. Pessoas transparentes são entediantes e bobas. Uma coisa é certa: a internet não vai sumir e precisamos discutir o que fazer com ela.
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