Resolvi postar este texto porque quando eu fiz 40 anos, comecei a sentir o peso da velhice. Mas hoje depois que passei dos 50, sinto-me totalmente à vontade pra falar sobre o assunto. Alias não poderia estar no melhor momento de minha vida! Não ganhei na loteria, continuo assalariado e não tenho carro... Mas me sinto tão forte espiritualmente e mentalmente! Mais equilibrado, paciente e conservo a mesma criança dentro de mim.
A velhice
sofreu uma cirurgia plástica na linguagem....
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internacionais de reportagem. É autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).
E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada.
elianebrum@uol.com.br // @brumelianebrum
Na
semana passada, sugeri a uma pessoa próxima que trocasse a palavra “idosas” por
“velhas” em um texto. E fui informada de que era impossível, porque as pessoas
sobre as quais ela escrevia se recusavam a ser chamadas de “velhas”: só
aceitavam ser “idosas”. Pensei: “roubaram a velhice”. As palavras
escolhidas – e mais ainda as que escapam – dizem muito, como Freud já nos
alertou há mais de um século. Se testemunharmos uma epidemia de cirurgias
plásticas na tentativa da juventude para sempre (até a morte), é óbvio esperar
que a língua seja atingida pela mesma ânsia. Acho que “idoso” é uma palavra
“fotoshopada” – ou talvez um lifting completo na palavra “velho”. E saio aqui
em defesa do “velho” – a palavra e o ser/estar de um tempo que, se tivermos
sorte, chegará para todos.
Desde que a juventude virou não
mais uma fase da vida, mas uma vida inteira, temos convivido com essas
tentativas de tungar a velhice também no idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de
repouso, como se isso mudasse o significado do que é estar apartado do mundo.
Velhice virou terceira idade e, a pior de todas, “melhor idade”. Tenho
anunciado a amigos e familiares que, se alguém me disser, em um futuro não tão
distante, que estou na “melhor idade”, vou romper meu pacto pessoal de não
violência. O mesmo vale para o primeiro que ousar falar comigo no diminutivo,
como se eu tivesse voltado a ser criança. Insuportável.
A velhice é o que é. É o que é
para cada um, mas é o que é para todos, também. Ser velho é estar perto da
morte. E essa é uma experiência dura, duríssima até, mas também profunda.
Negá-la é não só inútil como uma escolha que nos rouba alguma coisa de vital.
Semanas atrás, em um programa de TV, o entrevistador me perguntou sobre a
morte. E eu disse que queria viver a minha morte. Ele talvez não tenha
entendido, porque afirmou: “Você não quer morrer”. E eu insisti na resposta:
“Eu quero viver a minha morte”.
Na adolescência, eu acalentava a
sincera esperança de que algum vampiro achasse o meu pescoço interessante o
suficiente para me garantir a imortalidade. Mas acabei aceitando que vampiros
não existem, embora circulem muitos chupadores de sangue por aí. Isso só para
dizer que é claro que, se pudesse escolher, eu não morreria. Mas essa é uma
obviedade que não nos leva a lugar algum. Que ninguém quer morrer, todo
mundo sabe. Mas negar o inevitável serve apenas para engordar o nosso medo sem
que aprendamos nada que valha a pena.
A morte
tem sido roubada de nós. E tenho tomado providências para que a minha não seja
apartada de mim. A vida é incontrolável e posso morrer de repente. Mas há uma
chance razoável de que eu morra numa cama e, nesse caso, tudo o que eu espero
da medicina é que amenize a minha dor. Cada um sabe do tamanho de sua tragédia,
então esse é apenas o meu querer, sem a pretensão de que a minha escolha seja
melhor que a dos outros. Mas eu gostaria de estar consciente, sem dor e sem
tubos, porque o morrer será minha última experiência vivida. Acharia frustrante
perder esse derradeiro conhecimento sobre a existência humana. Minha última
chance de ser curiosa.
Há uma bela expressão que
precisamos resgatar, cujo autor não consegui localizar: “A morte não é o
contrário da vida. A morte é o contrário do nascimento. A vida não tem
contrários”. A vida, portanto, inclui a morte. Por que falo da morte aqui nesse
texto? Porque a mesma lógica que nos roubou a morte sequestrou a velhice. A
velhice nos lembra da proximidade do fim, portanto acharam por bem eliminá-la.
Numa sociedade em que a juventude é não uma fase da vida, mas um valor,
envelhecer é perder valor. Os eufemismos são a expressão dessa desvalorização
na linguagem.
Não, eu não sou velho. Sou idoso.
Não, eu não moro num asilo. Mas numa casa de repouso. Não, eu não estou na
velhice. Faço parte da melhor idade. Tenho muito medo dos eufemismos, porque
eles soam bem intencionados. São os bonitinhos mas ordinários da língua.
O que fazem é arrancar o conteúdo das letras que expressam a nossa vida. Justo
quando as pessoas têm mais experiências e mais o que dizer, a sociedade tenta
confiná-las e esvaziá-las também no idioma.
Chamar de idoso aquele que viveu
mais é arrancar seus dentes na linguagem. Velho é uma palavra com caninos
afiados – idoso é uma palavra banguela. Velho é letra forte. Idoso é
fisicamente débil, palavra que diz de um corpo, não de um espírito. Idoso fala
de uma condição efêmera, velho reivindica memória acumulada. Idoso pode ser
apenas “ido”, aquele que já foi. Velho é – e está. Alguém vê um Boris
Schnaiderman, uma Fernanda Montenegro e até um Fernando Henrique Cardoso como
idosos? Ou um Clint Eastwood? Não. Eles são velhos.
Idoso e palavras afins representam
a domesticação da velhice pela língua, a domesticação que já se dá no lugar
destinado a eles numa sociedade em que, como disse alguém, “nasce-se
adolescente e morre-se adolescente”, mesmo que com 90 anos. Idosos são
incômodos porque usam fraldas ou precisam de ajuda para andar. Velhos incomodam
com suas ideias, mesmo que usem fraldas e precisem de ajuda para andar.
Acredita-se que idosos necessitam de recreacionistas. Acredito que velhos
desejam as recreacionistas. Idosos morrem de desistência, velhos morrem porque
não desistiram de viver.
Basta evocar a literatura para
perceber a diferença. Alguém leria um livro chamado “O idoso e o mar”?
Não. Como idoso o pescador não lutaria com aquele peixe. Imagine então essa
obra-prima de Guimarães Rosa, do conto “Fita Verde no Cabelo”, submetida ao
termo “idoso”: “Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com
velhos e velhas que velhavam...”.
Velho é uma conquista. Idoso é uma
rendição.
Como em 2012 passei a estar mais
perto dos 50 do que dos 40, já começo a ouvir sobre mim mesma um outro tipo de
bobagem. O tal do “espírito jovem”. Envelhecer
não é fácil. Longe disso. Ainda estou me acostumando a ser chamado de senhor
sem olhar para os lados para descobrir com quem estão falando. Mas se
existe algo bom em envelhecer, como já disse em uma coluna anterior, é o
“espírito velho”. Esse é grande.
Vem com toda a trajetória e é cumulativo. Sei muito mais do que
sabia antes, o que significa que sei muito menos do que achava que sabia aos 20
e aos 30. Sou consciente de que tudo – fama ou fracasso – é efêmero. Me apavoro
bem menos. Não embarco em qualquer papinho mole. Me estatelei de cara no chão
um número de vezes suficiente para saber que acabo me levantando. Tento
conviver bem com as minhas marcas. Conheço cada vez mais os meus limites e
tenho me batido para aceitá-los.
Continua doendo bastante,
mas consigo lidar melhor com as minhas perdas. Troco com mais frequência o
drama pelo humor nos “comezinhos do cotidiano”. Mantenho as memórias que me
importam e jogo os entulhos fora. Torço para que as pessoas que amo envelheçam
porque elas ficam menos vaidosas e mais divertidas. E espero que tenha tempo
para envelhecer muito mais o meu espírito, porque ainda sofro à toa e tenho
umas “cracas” grudadas à minha alma das quais preciso me livrar porque não me
pertencem. Espero chegar aos 80 mais interessante, intenso e engraçado do que
sou hoje.
Envelhecer o espírito é
engrandecê-lo. Alargá-lo com experiências. Apalpar o tamanho cada vez maior do
que não sabemos. Só somos sábios na juventude. Como disse Oscar Wilde, “não sou
jovem o suficiente para saber tudo”. Na velhice havemos de ser ignorantes,
fascinados pelas dimensões cada vez mais superlativas do que desconhecemos e
queremos buscar. É essa a conquista. Espírito jovem? Nem tentem.
Acho que devíamos nos rebelar. E
não permitir que nos roubem nem a velhice nem a morte, não deixar que nos
reduzam a palavras bobas, à cosmética da linguagem. Nem consentir que calem o
que temos a dizer e a viver nessa fase da vida que, se não chegou, ainda
chegará. Pode parecer uma besteira, mas eu cometo minha pequena subversão
jamais escrevendo a palavra “idoso”, “terceira idade” e afins.
(Eliane
Brum escreve às segundas-feiras.)
Isto querido é um privilégio para poucos ... eu com meus 62 e 38 quase 39 [26/09] anos de casado [no papel] com Elianzinho penso e me sinto tb assim ...
ResponderExcluirUm beijo grande para vc e o maridão [tentei comentar no blog dele e não consegui ... tentei me inscrever e não consegui tb ... gosto do q ele escreve].
Te aguardo no Skype para as nossas confidências bloguísticas ... kkkkkkkkkkkkkkk
Valeu meu amigo...me aguarde...beijocas
ExcluirTexto espetacular. Permita-me a liberdade de compartilhar seu post na minha timeline.
ResponderExcluirEliane Brum discorreu lindamente sobre a sabedoria que a velhice trás.
Gracias pelas visitas Gera.
Abraços
Maravilha Margot... fique à vontade...beijão
ExcluirO texto é lindo e concordo seremos velhos e não idosos impotentes kkk. Thomas
ResponderExcluirÉ isso ai...bj
ExcluirGera, obrigado por partilhar este texto da Eliane. É uma excelente reflexão!
ResponderExcluirPS: Tomei a liberdade de lhe enviar uma mensagem no Facebook a respeito da publicação de um livro. Somente depois encontrei seu endereço de e-mail. De qualquer forma, mandei uma cópia para lá também. Espero poder ajudar. :)
Abraço
Achei fantástico você me enviar o email... conto com sua ajuda sempre...beijão
ExcluirClap, clap, clap!
ResponderExcluirMaravilha de texto! Gracias por compartilhar! Hugz!
Gracias ustedes! meu amigo gauchão hahahahahahaha
ExcluirSenti o pavor de começar a envelhecer e hoje em dia sinto que começo a valorizar outras coisas se estar ficando velha não é algo mais tão terrível como me parecia antes. Estou até pretendendo fazer um post sobre isso.
ResponderExcluirBeijocas
Isso só pode ser maturidade, que aprendemos com nossos próprios temores...tenho certeza de que será um maravilhoso texto... aliás mais um a nos brindar! abraço carinhoso!!!
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